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O que é a Mecânica Quântica?

Foto do escritor: Pró-EstudarPró-Estudar

(e por que apareceu por aí todo tipo de coisa "quântica": colchão, sal, coaching, cura, consciência, etc…)

Quadro do artista argentino Norberto Conti

Quando a Física Clássica já não é mais suficiente


Até o final do século XIX, os físicos haviam concluído teorias bastante completas para descrever as leis mais fundamentais da natureza (e por "natureza", aqui nos referimos também a todas as coisas não-vivas!). Hoje, nós nos referimos a essas áreas de estudo como "Física Clássica". É nela que se concentra praticamente toda a Física do Ensino Médio brasileiro. Trata-se das seguintes áreas:

  • Mecânica Clássica (seus maiores nomes foram Galileu, Newton, Lagrange e Hamilton) sobre as Leis que regem o movimento dos corpos: trajetórias, velocidades, acelerações, rotações, forças, e a questão sobre de onde vem e para onde vai a energia cinética dos corpos;

  • Termodinâmica Clássica (por Joule, Clapeyron, Kelvin, Clausius, Carnot, Boltzmann, Maxwell, ...) sobre as Leis que regem as trocas de calor, a temperatura de um corpo, a energia térmica e o trabalho que pode ser realizado por máquinas;

  • Eletromagnetismo (por Coulomb, Volta, Gauss, Kirchhoff, Ampère, Faraday, Tesla, Maxwell, ...) sobre as forças e energias associadas a corpos que têm carga elétrica, pilhas, circuitos elétricos, sobre campos magnéticos, e sobre como eletricidade pode gerar magnetismo, e vice-versa;

  • Óptica Geométrica (por Newton, Gauss, Snell, Descartes, Fresnell, ...) sobre como a luz se propaga (ou não) em diferentes meios, e interagindo com espelhos, lentes, etc.

Todas essas teorias tinham grande (mas não total) compatibilidade entre si e descreviam com altíssima precisão a enorme maioria dos fenômenos físicos que vinham sendo estudados. Alguns dos fenômenos importantes que contradiziam as previsões da Física Clássica eram:

  • A chamada "radiação de corpo negro": como exatamente os corpos emitem radiação por incandescência? (como o infravermelho dos seres-vivos, a luz do ferro em brasa, da velha lâmpada incandescente, das estrelas, etc.). Algo precisava mudar nos nossos modelos atômicos para que as previsões do Eletromagnetismo batessem com as radiações observadas;

  • O efeito foto-elétrico: como a luz visível e outras radiações eletromagnéticas conseguem "arrancar" elétrons de certos metais?;

  • Por que os elétrons não perdem energia (como previsto pelo Eletromagnetismo) ao girar em volta do núcleo do seu átomo? O próprio Rutherford, quando propôs seu modelo atômico, já sábado dessa inconsistência, mas não conseguia explicá-la;

  • Como explicar o fato de que as Leis de Newton e do Eletromagnetismo previam um referencial absoluto e universal para os movimentos (que chamaram de "éter") se os novos experimentos (como o de Michelson e Morley, sobre a velocidade da luz) mostravam que não poderia haver um referencial absoluto?

Estudando esses problemas, os físicos foram forçados a admitir, ao longo dos anos, que várias correções e ajustes eram necessários na Física Clássica. E assim surgiu a chamada "Física Moderna".


Duas novas teorias, mais precisas e mais completas


A Relatividade Geral (elaborada por Einstein, praticamente sozinho - daí sua genialidade) explicou por que o "éter", ou qualquer referencial absoluto, de fato não existem. Descobriu-se que a velocidade da luz é a velocidade máxima que qualquer corpo com massa pode atingir. A Mecânica Clássica passa a ser "apenas" uma excelente aproximação da realidade, que vai deixando de ser boa à medida em que as velocidades dos corpos vão se aproximando da velocidade da luz (que é de 300 000 km por segundo), e/ou à medida em que as massas dos corpos envolvidos vão ficando próximas, ou maiores, das massas dos planetas.

A Mecânica Quântica (com suas bases desenvolvidas nas primeiras décadas do séc. XX por Einstein, Bohr, Planck, deBroglie, Heisenberg, Schrödinger, Pauli, ...) mostrou, por sua vez, que toda a Física Clássica era "apenas" uma excelente aproximação da realidade quando os tamanhos dos corpos envolvidos são muito maiores que o tamanho dos átomos. A Quântica apresentou um modelo coerente para os elétrons de um átomo (e depois para todas as outras partículas subatômicas) e, assim, resolveu todos os outros "problemas" da Física Clássica listados acima.


A estranheza da Mecânica Quântica


Apesar do sucesso em descrever os fenômenos no interior dos átomos e entre os átomos, a Quântica mostrou que quando se trata de fenômenos nessa escala de tamanho (ou abaixo disso) muitas coisas estranhas acontecem:

Quadro do artista argentino Norberto Conti
  • Não faz mais sentido falar de uma posição muito precisa para nenhuma partícula, e sim de uma região do espaço onde ela está "distribuída" em um dado instante (através da sua "função de onda", que indica a probabilidade dela ser encontrada em cada ponto - ainda que a partícula nunca vá ocupar apenas aquele ponto do espaço). E isso não se deve a nenhuma limitação de instrumentos de medida, mas constitui uma característica fundamental de todas as partículas. Com isso, nossa concepção dos elétrons, por exemplo, deixou de ser a de "bolinhas" girando em torno do núcleo, e passou a ser a de "orbitais": uma região onde o elétron se concentra, distribuído ao longo dela como uma "nuvem".

  • A "incerteza" acima mencionada para a posição das partículas também vale para a sua quantidade de movimento (massa multiplicada pela velocidade). Então a partícula NUNCA tem uma velocidade determinável com precisão absoluta;

  • Não faz mais sentido falar de forças em muitos casos, mas sim da entropia e das energias potenciais e cinéticas das partículas e sistemas de partículas;

  • Toda partícula também pode se comportar como uma onda ("dualidade onda-partícula"), e talvez elas nunca sejam "só uma partícula" ou "só uma onda" e sim uma mistura estranha das duas coisas, a todo instante;

  • Sempre existe uma probabilidade de que uma partícula atravesse barreiras (como "paredes");

  • Surgem novas propriedades da matéria, além da massa e da carga elétrica (como o spin do elétron, que explica inclusive a presença do magnetismo em metais eletricamente neutros);

Quadro do artista argentino Norberto Conti
  • Algumas características físicas de um sistema de partículas (como o decaimento ou não de um elétron para um subnível menos energético) não são "concretizadas" até que esse sistema interaja com um outro. Antes dessa interação, o sistema está em "superposição", ou seja, está de alguma forma "nos dois estados ao mesmo tempo", e tudo o que se pode afirmar são as probabilidade de ele "colapsar" para um estado ou para outro (ou seja, "concretizar" uma possibilidade ou a outra). Assim, a situação de um sistema de partículas só se concretiza à medida em que esse sistema interage com o meio e com outros sistemas. Isso foi ilustrado no experimento hipotético do "gato de Schrödinger" (do qual poderemos falar em outro momento);

  • A "informação" sobre o estado de uma partícula pode "viajar" instantaneamente até outra partícula, não importando a distância entre elas, desde que uma esteja "emaranhada" com a outra.

Orbitais dos elétrons nas posições s, p, d e f. Essas "bexigas" mostram a região onde o elétron se concentra.

Muito estranho e um tanto confuso tudo isso, não? Para os físicos não foi diferente, e eles só foram admitindo esses fenômenos, a contragosto, à medida em que os experimentos não lhes deixavam outra opção. No entanto, a Quântica permitiu descrições e previsões excelentes para o comportamento das partículas subatômicas, de todos os tipos de ligações químicas, e de interações entre átomos e radiações. Isso vem permitindo a criação de inúmeras novas tecnologias, como por exemplo:

  • a produção de novos materiais, para os mais variados usos;

  • melhores produções, captações e interpretações de ondas eletromagnéticas (como as ondas de TV, wi-fi, lasers industriais e cirúrgicos, e para a produção de imagens médicas: raio X, ressonância magnética, eletroencefalograma, etc.);

  • circuitos eletrônicos menores e mais eficientes para todos os tipos de uso;

  • a computação quântica, muito mais rápida e mais segura que a tradicional.

Vale ainda ressaltar que os fenômenos estranhos que listamos acima em geral só são perceptíveis naquela escala de tamanho. A própria Quântica prevê que esses efeitos se limitem ao mundo das partículas subatomicas, e que à medida em que os fenômenos ocorram em escalas de tamanhos maiores, os resultados vão voltando a ser aqueles já previstos pela Física Clássica.


A Quântica e a Relatividade ainda precisam de correções!


Infelizmente, há incompatibilidades matemáticas e lógicas entre a Relatividade Geral (a Física das coisas "muito grandes") e a Mecânica Quântica (a Física do "muito pequeno"), e há fenômenos que nenhuma das duas é capaz de explicar sozinha de forma satisfatória (como buracos negros, e os fenômenos iniciais do Big Bang, por exemplo).


A Relatividade não contempla a possibilidade dos fenômenos quânticos, e a Quântica (embora já tenha incluído muitos aspectos da Relatividade) ainda não inclui algo fundamental: a gravidade. Ou seja: nós sabemos que as duas teorias estão incompletas, precisam de correções, e que elas mesmas são "apenas" boas aproximações da realidade, para casos onde uma das duas pode ser descartada.


Separando a Ciência da mera especulação


Apesar das limitações da Quântica serem conhecidas, os fenômenos exóticos que ela descreve têm gerado muitas especulações, de natureza mais filosófica, sobre o que é matéria, o que é energia, e sobre quais tipos de fenômenos, antes impossíveis de ser mensurados segundo a Física Clássica, poderiam realmente se tornar objeto de estudo da Física (como fantasmas, espíritos, alma, questões sobre o que é a mente humana, etc.). Infelizmente, até mesmo alguns físicos se envolveram nessas especulações, sem deixar claro onde termina a Ciência séria e onde começam as especulações pessoais.


Mas a Quântica atual divide opiniões mesmo entre os físicos sérios! Embora todos concordem sobre qual é o aparato matemático e experimental que tem tido sucesso em explicar os fenômenos, ainda não há clareza sobre o que significam vários elementos desse aparato matemático! Na Física Clássica, estava muito claro o que representava, no mundo real, cada grandeza e cada conceito (como massa, velocidade, energias, carga elétrica, etc.). Mas agora, há várias dúvidas sobre como cada elemento da teoria corresponde (ou não) a elementos da realidade: as "funções de onda" de que falamos mais acima englobam alguns elementos que parecem não ter um correspondente na realidade concreta!


Atualmente, há no mínimo sete interpretações diferentes sobre o que significam os elementos envolvidos na teoria quântica. Todas elas são compatíveis com a matemática da teoria e com os experimentos que foram feitos até então, mas cada uma dá respostas diferentes sobre, por exemplo:

  • se as leis da Física regem os eventos de maneira determinística ou se há espaço para o livre-arbítrio;

  • se existe um único Universo ou se as partículas trocam informações o tempo todo com outros "universos" adjacentes ao nosso;

  • se a presença de um observador causa ou não o colapso entre as possibilidades de estados para uma partícula, ou se a mera interação com outras partículas já faz o papel de observador;

  • como a "informação" do estado de uma partícula pode chegar a outra partícula, emaranhada com a primeira, instantaneamente.

Alguns livros que são comercializados

Há muitos físicos que propagam uma das interpretações (e suas consequências filosóficas) como correta, sem indicar a plausibilidade das outras. Mesmo nos cursos de Física das melhores universidades brasileiras, muitos professores transmitem aos alunos o seu parecer pessoal, sem apresentar o cenário atual de discussão entre as interpretações concorrentes que ainda não foram descartadas por experimentos.


Se nem mesmo os maiores especialistas da área chegaram em consenso sobre questões básicas na interpretação de alguns aspectos importantes dessa teoria, mas reconhecem a plausibilidade de algumas interpretações concorrentes, imagine quão irresponsáveis têm sido aqueles que vendem "coaching quântico", "sal quântico" ou "cura quântica"!


De maneira geral, pode-se dizer que os físicos (sérios) ainda não podem afirmar nada definitivo ou comprovado sobre espiritualidade, alma, consciência e determinismo. Esses assuntos não estão totalmente sob o alcance do escrutínio científico. E provavelmente nunca poderão ser analisados de maneira completa e definitiva apenas pelas Ciências Naturais. Resta-nos esperar que futuros experimentos venham eliminando, aos poucos, algumas das possibilidades que especulamos, e indicando quais são as correções de que a Quântica ainda precisa. Pena que transparência e humildade não vendam tão bem quanto charlatanismo e achismo!

 

Texto escrito por André Scarpinati Luchetti (grupo de Física)

 

Textos recomendados

(Se possível, dê preferência à versão dos artigos em inglês, que é mais completa e foi melhor revisada)

Eu recomendo a seção introdutória e a seção "Um panorama" desse artigo da Wikipedia. A seção "Aspectos históricos" também pode ser interessante, com seus vários links para os artigos dos fenômenos relacionados.


Contra-recomendação

Eu NÃO recomendo o filme-documentário "Quem somos nós?" (What the bleep do we know?). É um documentário baseado nas interpretações pessoais do físico Amit Goswami, que não deixa clara a separação entre aquilo que já foi estabelecido como consenso pela comunidade científica e aquilo que é interpretação e crença pessoal de Goswami e seus colegas.


Vídeos recomendados

Esse vídeo fala brevemente da Quântica até os 4m00s. A partir daí, ele apresenta uma das propostas atuais de alguns físicos para conciliar Relatividade Geral e Quântica: a teoria das cordas.

Esta é a primeira parte do documentário, que fala do sonho que Einstein não alcançou: unificar a física. Ele apresenta a Mecânica Quântica a partir dos 25m00s. A segunda parte introduz a Teoria das Cordas. A terceira parte que foca num dos aspectos mais curiosos da Teoria das Cordas: a necessidade da existência de 11 dimensões.

Mais vídeos recomendados, sobre esse e outros assuntos, na playlist da página bit.ly/fisica-andre.

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