top of page

POR QUE COMEMORAR O GOLPE DE 1964?

Foto do escritor: Pró-EstudarPró-Estudar

“Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado."

Emília Viotti da Costa

Se você digitar Ditadura no Google, vai encontrar a seguinte definição: “Ditadura é um dos regimes não democráticos ou antidemocráticos, ou seja, governos regidos por uma pessoa ou entidade política onde não há participação popular, ou em que a participação ocorre de maneira muito restrita” (Wikipedia). No Dicionário de Política, encontramos a definição de “Ditadura Moderna” como sendo “...a classe dos regimes antidemocráticos ou não democráticos modernos” (p. 370), dentre eles o despotismo, o absolutismo, a tirania, a autocracia e o autoritarismo, que se contrapõem aos regimes liberal-democráticos. Se você pesquisar por Ditadura no Dicionário de Sociologia, vai encontrar que se trata de uma “Organização política em que uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas controla, de maneira discricionária e completa, todas as instituições sociais.” Em suma, independente das fontes, a Ditadura é um regime contrário à participação popular.

No dia 31 de março de 2019 completam-se 55 anos do golpe de Estado Civil-Militar, prelúdio de um dos episódios mais sombrios da história brasileira no século XX: a Ditadura Militar (1964 - 1985). Sob a justificativa de livrar o país de uma ilusória ameaça comunista centralizada na figura de João Goulart e barrar seu intuito de implementar um conjunto de reformas nos segmentos econômico, político e social (que favoreciam as camadas populares), o alto escalão das Forças Armadas apoiado por uma parcela reacionária da sociedade civil - constituída por grandes proprietários rurais, empresários e a classe média - rompeu em todo o território nacional, na madrugada de 1º de abril de 1964, uma série de movimentações de tropas militares com o objetivo de destituir o presidente em exercício apropriando-se, enfim, do controle do governo brasileiro (NETTO, 2014).

O Golpe Civil-Militar iniciou um Regime marcado pela(o) suspensão das liberdades políticas e civis - que permitem aos cidadãos elegerem seus representantes, expressarem livremente seu pensamento e opinião e defenderem a si mesmos e seus interesses, violação sistemática dos direitos humanos - através das práticas de tortura, desaparecimentos e assassinatos pelo Estado brasileiro, recrudescimento da violência urbana, ampliação da desigualdade social e desenvolvimento da corrupção estatal. Autointitulado “Revolução de 1964” por seus atuantes e simpatizantes, [o golpe] reivindicou para si o caráter popular que não possuía - pois conjecturava a defesa dos interesses das elites - e durante 21 anos buscou legitimar suas ações e atrocidades como expressões fidedignas da vontade da Nação e maneira pela qual a salvaguardaria, respectivamente.

À luz das Ciências Sociais, o golpe civil-militar qualificaria-se como “Revolução” única e exclusivamente se o analisarmos sob o conceito de Revolução Passiva discutido pelo sociólogo brasileiro Luiz Werneck Vianna. Em “Caminhos e Descaminhos da Revolução Passiva à Brasileira”, Werneck Vianna (1997) elucida como os movimentos tidos como “revolucionários” no Brasil são, fundamentalmente, conservadores. Por qual razão estes movimentos são conservadores? Pois são articulados e orquestrados por uma pequena parcela da sociedade - as elites, que sempre estiveram presentes na política brasileira - a fim de impedir grandes rupturas no campo da política, economia e do social demandadas pelas camadas populares. Assim, vivenciamos em nossa história a “Revolução da Independência”, “Revolução de 1930” e a “Revolução de 1964” - guardadas as devidas proporções - movimentos encabeçados pelas elites de cada período a fim de impedir grandes mudanças que poderiam afetar seus interesses provocando-as ao seu modo.

Entretanto, as declarações - fora do âmbito científico - que qualificam o golpe de 1964 como “Revolução” delegam - equivocadamente - a este movimento um caráter salvacionista e à sua memória motivo de celebração. Lamentavelmente, narrativas que buscam positivar e subverter o real significado dos fatos históricos que caracterizam a Ditadura Civil-Militar ainda permeiam o imaginário brasileiro e fixam morada no juízo de alguns dos nossos governantes, paradoxalmente, eleitos sob o livre exercício das liberdades democráticas - àquelas que viabilizam e garantem a participação popular na política nacional, inexistentes num regime ditatorial.

Quando o assunto é a “celebração” do Golpe de 1964, encontramos nas redes sociais comentários como estes:

Seguem, portanto, alguns esclarecimentos:


1. A Ditadura e o “Contragolpe” de 1964 não são momentos históricos separados e/ou distintos. Como explicitado no começo do artigo, a Ditadura constitui-se um regime no qual não há - ou há, muito restrita - participação popular. O “Contragolpe” que evitaria que o Brasil se transformasse numa “nova Cuba” - também explicitado e desmistificado acima - constitui o início dos 21 anos da Ditadura Militar, ou seja, os 21 anos em que a população brasileira foi retirada das decisões políticas do país, com a justificativa de que a garantia dos direitos - sociais, políticos… humanos - “atrapalharia” o desenvolvimento que o país precisava.


2. Novamente, o Brasil nunca esteve “ameaçado por uma revolução comunista”. Todo esse temor projetado na população brasileira precisa ser analisado mediante o contexto histórico da época: em 1959 consolida-se a revolução que instaura o regime Socialista em Cuba. Tementes que os ideais da revolução cubana pudessem chegar ao Brasil e cair nas graças do povo, as elites dominantes - com o auxílio da classe política, alguns setores da sociedade civil e até mesmo outros países -, com medo de perder o poder econômico e político que possuíam, articularam um movimento para destituir o então presidente João Goulart, com a justificativa de que o presidente transformaria o Brasil num regime como Cuba. Todo esse processo pode ser bem compreendido no documentário O Dia que Durou 21 anos (2013).


3. “Pessoas de bem não sofreram com essa ‘ditadura’”, “quem reclama era baderneiro”: esse é um ponto extremamente sensível quando discutimos sobre a Ditadura Militar de 1964, pois pessoas com esses argumentos buscam justificar as torturas - físicas, psicológicas, emocionais - que ocorreram nesse período, alegando que os torturados, de certa forma, mereceram passar por isso. Não faltam notícias na internet que mostram as atrocidades das torturas, não somente às pessoas que se opunham ao regime, mas também[1]: a crianças, mulheres - inclusive grávidas, padres, militares, etc. Entretanto, cair no discurso de usar apenas essas pessoas como exemplo de como a Ditadura Militar foi hedionda não atinge a raiz do problema: independente se crianças, mulheres, padres, militares, pessoas que são contrárias ao governo: nenhum ser humano deve ser submetido a torturas físicas, emocionais e/ou psicológicas, muito menos em nome de um ideal político, que cria inimigos do Estado e institucionaliza formas de violência e de censura que ferem a liberdade desses indivíduos.

Rememorar um dia como 31 de março para a história do nosso país nunca deve assumir um caráter “comemorativo”. Não devemos celebrar retrocessos, repressão, censura, violência generalizadas e muito menos a supressão de direitos. Não devemos comemorar atentados à nossa democracia. Por fim, não devemos celebrizar o Golpe Civil-Militar de 1964.


Assim como apresenta um dos textos introdutórios do relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014), responsável por investigar as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro entre os períodos de 1946 a 1988: “Democracia é sempre melhor do que ditadura. No regime democrático, a política substitui a violência e os conflitos e confrontos políticos são resolvidos por discussão e eleições. Democracia permite ampliação, criação e reinvenção de direitos” (pág. 86). A busca e a permanência nos princípios democráticos requer empenho e vigilância constantes, que o dia 31 de março seja, portanto, uma oportunidade para relembrarmos criticamente, honrarmos a memória daqueles que perderam suas vidas lutando pelo fim do Regime e bradarmos: DITADURA NUNCA MAIS!


E dentre toda a discussão trazida acima, nós retornamos a pergunta a você, leitor:

Por que comemorar o Golpe de 1964?



Texto escrito por Paula Cardoso e Larissa Arroteia (grupo de História)

 

[1] 55 anos do Golpe Militar: a História dos 6,5 mil militares perseguidos pela ditadura. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46532955.

IGREJAS: Resistência e Colaboração Durante a Ditadura Militar. https://oglobo.globo.com/brasil/igrejas-resistencia-colaboracao-durante-ditadura-militar-11907111.

LIVRO Reúne Histórias de Crianças Presas, Torturadas ou Exiladas Durante a Ditadura no Brasil. https://oglobo.globo.com/cultura/livros/livro-reune-historias-de-criancas-presas-torturadas-ou-exiladas-durante-ditadura-no-brasil-14496104.

 

Vocabulário


Democracia: Modelo político em que a vontade e participação popular é soberana.

Golpe de Estado: “(...) ação súbita através da qual um líder ou governo são substituídos por outros mediante emprego de força” (GOLPE DE ESTADO, 1997).

João Goulart: Vice-presidente de Jânio Quadros, democraticamente eleito em 1960 e visto como herdeiro da política populista de Getúlio Vargas. Assume o poder em 1961 após a renúncia de Jânio e sob a resistência de grupos antigetulistas.

Reformas de Base: Previam as reformas agrária, bancária, urbana e administrativa com o objetivo de promover uma maior intervenção estatal, ampliação do direito ao voto e controle do investimento estrangeiro no Brasil.

Reacionária: Contrária à mudanças, busca manter o status quo (vigente); Conservador.

 

Referências utilizadas para a elaboração do texto


BRASIL. Relatório da Comissão Nacional da Verdade - Vol. 1. Brasília: CNV, 2014. Disponível em: http://www.memoriasreveladas.gov.br/administrator/components/com_simplefilemanager/uploads/CNV/relat%C3%B3rio%20cnv%20volume_1_digital.pdf. Acesso em: 29 mar. 2019.


BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Ditadura. In: DICIONÁRIO de Política - Vol. 1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 11ª ed., 1998. Disponível em: http://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/17973/material/Norberto-Bobbio-Dicionario-de-Politica.pdf. Acesso em: 28 mar. 2019.


DICIONÁRIO de Sociologia. Ditadura. In: Dicionário de Sociologia. Porto Alegre, Editora O Globo, 1961.

HORTA, Maurício. 21 mitos sobre a ditadura militar: As verdades e as mentiras sobre o período mais obscuro da história do Brasil. In: Revista Superinteressante (on-line). 1º dez. 2017. Disponível em: https://super.abril.com.br/especiais/21-mitos-sobre-a-ditadura-militar/. Acesso em: 29 mar. 2019.


JOHNSON, Allan G. Golpe de Estado. In: Dicionário de Sociologia: Guia Prático da Linguagem Sociológica. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.


NETTO, José Paulo. Pequena história da ditadura brasileira (1964-1985). São Paulo: Cortez Editora, 2014.


VIANNA, Luiz Werneck. “Caminhos e descaminhos da revolução passiva à brasileira”. In: A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1997.


120 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Grupo Pró-Estudar

  • Grey Facebook Ícone
  • Grey Instagram Ícone

APOIO

Criado por KondZilla da Educação.    © 2019 | Todos os direitos reservados.

bottom of page