top of page

Voz, Humanização e Emancipação: O discurso indireto livre, em Vidas Secas, de Graciliano Ramos

Foto do escritor: Pró-EstudarPró-Estudar


“ - Como é, camarada? Vamos jogar um trinta e um lá dentro?

Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as palavras de seu Tomás da bolandeira:


- Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme.”

(Vidas Secas - Graciliano Ramos)


Este é um trecho de Vidas Secas, no qual Fabiano tenta se expressar diante do soldado amarelo. Era o sonho de Fabiano: saber se expressar. Percebam a falta de coerência. Não está muito distante a daquele famoso vídeo: "Tava ruim, tava bom, mas parece que piorou".


Nesta obra da segunda geração modernista, publicada em 1938, Graciliano Ramos fez uso do discurso indireto livre para dar voz às suas personagens, uma família de retirantes nordestinos.


Diferentemente de outros autores regionalistas, Graciliano quis mostrar a densidade psicológica dos sertanejos - os seus desejos e as suas angústias existenciais. No entanto, sem a ajuda do narrador esta tarefa seria impossível. O narrador onisciente da obra supre a carência de recursos expressivos dos retirantes. A voz do narrador e a voz das personagens tornam-se uma só.


Nos momentos de discurso direto, é simbólico que os enunciados sejam, em sua maioria, interjeições, respostas curtas e xingamentos - é o vocabulário que eles possuíam. Embora os sertanejos tivessem um sem-número de questionamentos ebulindo dentro de si, não conseguem exteriorizá-los.


Fabiano sabe que é explorado pelo seu patrão, porém, não possui a capacidade de argumentar e, consequentemente de se impor contra ele. Conclusão: é enrolado. Em outro momento da obra, "o menino mais velho" quer saber o significado da palavra "inferno", ouvida por ele da boca de Sinhá Terta. Questiona Sinhá Vitória e Fabiano. O simples questionamento incomoda os seus familiares. Eles não gostam de serem questionados, pois não possuem repertório suficiente para darem respostas.


Graciliano Ramos é considerado um autor que possui traços neo-naturalistas. Pois, então, quando uma pessoa é destituída de sua voz, de sua capacidade de se comunicar, o que ela se torna? "Você é um bicho, Fabiano", diz a personagem para si mesma. Ou seja, a falta de comunicação, em Vidas Secas, aproxima as personagens dos animais. Em outras palavras, há uma zoomorfização - característica típica dos romances naturalistas.


Mas, afinal, a realidade desta obra está tão distante assim de nós?


Abro o Facebook hoje, dia 4 de setembro, e vejo a notícia de que os estudantes brasileiros não sabem interpretar textos. Disto eu já sei, sou professora de Língua Portuguesa e de Literatura. Mas, outra coisa que sei: o estudo desta disciplina, apesar de ser tão importante, é negligenciado pelos alunos. A perspectiva humanizadora e emancipatória do domínio da linguagem está obscurecida. "Que importância tem esta tirinha idiota?!".


Obter a autonomia da nossa própria voz é um processo lento. E cada passinho dado em direção a este caminho é relevante. Neste caminho, encontram-se desde de tirinhas da Mafalda até obras clássicas, consideradas chatas, como Vidas Secas.


Você, estudante, pode até não gostar de Língua Portuguesa, pode até não gostar de obras clássicas, pode até não conseguir enxergar genialidade em certos autores. Pode odiar a leitura de Vidas Secas. Mas, pelo menos, lendo e interpretando Vidas Secas, talvez Fabiano possa te ensinar a não ser um Fabiano na vida.



Escrito por Fernanda Ornelas.

71 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Grupo Pró-Estudar

  • Grey Facebook Ícone
  • Grey Instagram Ícone

APOIO

Criado por KondZilla da Educação.    © 2019 | Todos os direitos reservados.

bottom of page